Tirava boa parte do dia para estar sentado no sofá a ver televisão ou a manejar os botões de aparelhos de videogames. Essas sessões de diversão eram acompanhadas com o degustar de guloseimas e refrigerantes.
Noutras vezes, principalmente aos fins-de-semana, altura em que não tinha aulas, esse cenário era, também, preenchido pela ingestão de leite, bolos, bolachas e chocolates, além dos jogos virtuais, que o levavam muito tarde à cama.
Era assim por muitos anos o quotidiano de Paulo Domingos, hoje, um rapaz de 13 anos. Estes episódios alimentícios ganharam novo formato nos dias que correm, tendo em conta que as guloseimas deram lugar só a bolachas integrais e os chocolates ao leite mais light.
A mudança tem um porquê: o passado do adolescente levaram-no a ganhar peso aquém do normal. Agora, Paulo tem uma dieta alimentar e uma vida mais regrada, para conseguir perder, no mínimo, 15 quilos. A vida actual obriga o menino a sacrifícios, como considera, que nunca pensou passar.
Por recomendação do nutricionista, abandonou os refrigerantes, salgadinhos, hambúrgueres, gelados e gorduras, para os trocar por alimentos saudáveis.
Paulo Domingos está a aprender a experimentar sabores que não comia, há anos. O adolescente confessa que não gostava de verduras, por exemplo, mas a vontade de perder peso está a ajudá-lo a um comportamento que teria assumido mais cedo, se, também, houvesse rigor alimentar na família e certas proibições mais fortes.
A luta para sair da lista de milhares de crianças obesas e sedentárias é enorme. Nos últimos quatro meses, Paulo não precisou de “chicote” ou empurrões para seguir as recomendações médicas. Sozinho, o garoto, apesar da ajuda da mãe e da irmã mais velha, cumpre à risca a dieta.
É desta forma que Paulo, morador no São Paulo, em Luanda, quer sair da lista de uma geração caracterizada pelo sedentarismo e excesso de alimentos industrializados, muito sal, açúcar e gordura.
“Agora tenho noção de que sempre alimentei-me mal. A mãe tentou corrigir os meus maus hábitos por comidas como pizzas, gelados, hambúrgueres e fritos, mas sempre fui teimoso, até que ela deixou que eu comesse o que quisesse”, lamentou.
O adolescente, aluno da 8ª classe, sabe que deve lutar para perder peso, porque os médicos explicaram-no que o mesmo não é compatível com a altura que tem nem com a idade.
Sobre as consequências da vida sedentária e da alimentação desregrada, Paulo queixa-se de si mesmo, por não ter ouvido as várias chamadas de atenção dos pais. Por exemplo, aos 13 anos e com 1,58 de altura, o garoto está acima dos 60 quilos. “Os exames apontam que o meu corpo se parece ao de um adulto com idade acima dos 30 anos!”, explicou o menino, para avançar que antes da dieta e ser submetido a tratamento sentia fortes dores nas articulações e cansaço fácil. Nas aulas de Educação Física, Paulo não suportava as corridas nem outro tipo de exercícios por muito tempo. Vezes houve que teve de abandonar a turma, para descansar, por sentir que perdia o fôlego. O professor se compadecia e o dispensava por largos minutos ou orientava exercícios mais leves, mas, quando isso acontecia, caía no gozo dos colegas.
“Não quero nunca mais passar por isso”, afirma o rapaz, que, agora, faz o trajecto de casa à escola a pé. “Quando não estiver atrasado, caminho. São apenas 30 minutos. Bebo muita água e isso tem ajudado em grande medida, já que perdi quatro quilos nos últimos dois meses”.
No fim da conversa, Paulo mostrou-se receoso de ter uma recaída. Em casa, tem recebido muita ajuda, mas na escola, o que mais os colegas comem são, exactamente, os alimentos que lhe foram proibidos. “Até agora tenho resistido e espero que seja assim, porque tenho de ter saúde”.
Um problema de saúde
O caso do menino Paulo é, actualmente, muito comum nas famílias angolanas, principalmente nas zonas urbanas, onde surgem situações de crianças com níveis consideráveis de obesidade, segundo o pediatra Jeremias Agostinho.
O médico explicou que a obesidade é tida como a acumulação excessiva de gordura corporal, que pode representar um problema para a saúde.
Na fase infantil, avançou, Jeremias Agostinho, não existe um consenso sobre qual é a melhor forma de se avaliar se uma criança é ou não obesa.
O especialista realçou que esta avaliação é difícil, mas, para isso, habitualmente usam-se critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Centro de Controlo de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da International Obesity Taskforce.
Para a OMS, as crianças são consideradas pré-obesas, ou seja, propensas ao quadro de obesidade quando apresentam o índice de massa corporal superior à média normal.
O médico acrescentou que se considera obesa quando os especialistas utilizam as tabelas para avaliar o peso e este é superior a 2 positivo, quando a criança está acima dos valores normais.
Já o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos considera que uma criança é pré-obesa, ao utilizar os mesmos critérios da OMS, mas com uma pequena diferença, a que os pediatras chamam de “valores de percentis para o peso”. Para uma criança que tem o percentil, se encontra entre 85 e 95, considera-se pré-obesa e aquela que tem superior a 95 como obesa, explicou Jeremias Agostinho. “Esses percentis, na verdade, vêm mostrar que esta criança possui um peso superior ao normal e a média para a idade”, destacou o também mestre em Saúde Pública.
Questões genéticas entre as causas
Entre as causas mais comuns da obesidade infantil está a genética. O médico pediatra referiu que “pais obesos têm uma tendência de ter filhos obesos, que, posteriormente, se vão transformar em adultos obesos”.
Além dessa causa, como é o caso de Paulo, existem crianças com obesidade, por estarem a viver num ambiente obesogénico, o que significa que acabam obesas por adquirirem hábitos sedentários, por exemplo, ver televisão e jogar videogames frequentemente.
Aliás, como aconteceu com Paulo, o pediatra explicou que estes hábitos e costumes fazem com que as crianças não pratiquem exercícios e a não gastarem bastante energia.
“Além de não gastarem energia, elas consomem muitos alimentos ricos em calorias, fazendo com que tenham um aumento de peso descontrolado”, salientou o especialista em Pediatria.
Jeremias Agostinho referiu-se, igualmente, aos hábitos fomentados pelas largas horas de exposição à televisão, onde publicitam péssimos produtos alimentícios e refrigerantes.
O médico deu exemplo de crianças que saem de casa para a escola por meios próprios ou por transportes escolares, onde têm maior propensão a estarem sujeitas a um ambiente obesogénico, devido à pouca prática de exercícios.
O médico fez uma forte crítica aos pais e outros encarregados de educação, por terem um papel influenciador na obesidade a nível das crianças. “É comum vermos estes adultos, aos fins-de-semana, com os filhos nos restaurantes a comprarem alimentos muito energéticos”.
Face ao consumo rápido desses produtos, o médico alertou que aumentam os riscos de obesidade nas crianças. Este facto tem contribuído para a rotina do uso apenas destes tipos de alimentos por menores.
Consequências sociais muito pesadas
Em relação ao peso ideal para se identificar se uma criança é ou não obesa, Jeremias Agostinho salientou que esse princípio carece sempre de uma avaliação do médico pediatra ou do nutricionista, no sentido de se definir, de facto, se o menor é pré-obeso, obeso ou se apresenta desnutrição.
O mestre em Saúde Pública avançou que o peso que o menor vai apresentar será considerado como sendo o ideal em função da idade, por não existir um valor específico para toda a fase da criança.
Esse peso varia no primeiro ano, uma vez que em cada um dos meses a criança deve apresentar um determinado tamanho corpóreo. Do segundo até ao 16º mês, a criança vai apresentando um determinado peso, à medida que vai passando por essas etapas da vida.
Sobre as consequências da obesidade, Jeremias Agostinho explicou que estas são diversas. Uma criança obesa, até aos seis anos, tem 25 por cento de probabilidade de ser um adulto obeso.
O médico acrescentou, igualmente, que, se até aos 12 anos, a criança continuar obesa, ela tem 75% de probabilidade de vir a ser um adulto obeso.
Para Jeremias Agostinho, o problema da obesidade surge associado a várias complicações, quer seja do ponto de vista fisiológico e psicológico, quer social.
Tratamento precoce é fundamental
Quanto ao tipo de tratamento submetido às crianças com obesidade, o médico referiu que este é feito na base da intervenção do nutricionista, família, pediatra e da escola.
Estes têm um papel fundamental nesta batalha contra a obesidade. Jeremias Agostinho explicou que o nutricionista vai ajudar na definição da quantidade ideal de alimentos que essa criança deve consumir e que tipo de actividade física deve praticar para queimar algumas calorias. Quanto ao pediatra, referiu que este profissional ajuda a controlar determinadas doenças que podem surgir do facto dessa criança ter permanecido com obesidade durante um período de tempo.
No caso da família, salientou que esta tem a responsabilidade de supervisionar e controlar a ingestão alimentar da criança e estimular a prática de exercícios físicos para reduzir a quantidade de peso. A escola, também, assume um papel muito preponderante na função do tratamento da obesidade infantil, reconheceu o médico, ao sustentar que a maior parte do tempo das crianças passa nessa instituição, daí a necessidade de proporcionarem actividades extra-escolares e garantirem alimentos saudáveis.
Ao se trabalhar desta forma sintonizada, as estatísticas de crianças obesas podem baixar, reconheceu o pediatra, quando apontou que a obesidade infantil tem maior indecência sobre rapazes dos dez aos 16 anos, sendo que, nesta fase da vida, cerca de 30% são obesos.
No caso de menores de dois anos, as estatísticas referem que cerca de 15% são obesos, ao passo que dessa idade aos cinco anos o número chega até aos 12% e dos cinco até aos dez anos atinge 25%. Os dados aumentam entre os dez aos 16 anos, por afectar 30% da população desta faixa etária. O actual director-geral do Consultório Nova Vida disse que existem quatro tipos de obesidade, designadamente o sobrepeso, obesidade do grau 1, grau 2 e a mórbida.
Várias complicações
Jeremias Agostinho avançou que a obesidade tem efeitos adversos e imediatos na saúde da criança, que surgem logo nos primeiros anos de vida e outras complicações vão aparecendo ao longo da vida.
Com isso, o pediatra esclareceu que uma criança obesa possui grandes riscos de adquirir a diabetes mellitus do tipo 2, apneia obstrutiva do sono, hipertensão, despneia, ou seja, irregularidades na distribuição da gordura no seu organismo, e síndrome metabólica.
“Essas doenças eram vistas, até há pouco tempo, só na idade adulta, mas, agora, por causa do problema da obesidade começam a ser observadas em muitas crianças”, lamentou o pediatra.
Além dessas complicações a nível fisiológico, disse que as crianças, também, possuem uma auto-estima abalada, dificuldade de interagir com meninos que apresentem o peso ideal, “porque vai sentir-se feia e a correr sérios riscos de sofrer bullying”. Nestes casos, a experiência indica que as crianças obesas se isolam, ficando fora do padrão considerado normal para as outras crianças e, isso, pode acarretar ideias suicidas, torná-las agressivas, terem mau desempenho escolar, apresentarem crises de ansiedade e automutilação.
Merenda escolar mais saudável
Para a nutricionista Julieta Mecula, a obesidade é tida como uma doença grave e caracterizada pelo excesso de gordura corporal na criança, que pode ser considerada enfermidade genética ou ambiental.
Em função dessa característica, tal como referiu Jeremias Agostinho, a médica avançou que a batalha contra a obesidade exige um esforço multissectorial, não sendo, por isso, um papel exclusivo dos profissionais da Saúde.
Mas, antes a médica referiu que, para diagnosticar a obesidade infantil, é necessário interpretar o valor do IMC (Indice de Massa Corporal), em função da idade e do sexo, usando curvas adaptadas.
Em relação aos tipos de tratamento a dar a uma criança com obesidade, a nutricionista disse serem vários, tendo apontado como principais a mudança de estilo de vida, baseada numa alimentação saudável e equilibrada e na prática regular de actividades físicas.
Julieta Mecula aconselhou as mães com crianças afectadas pela obesidade a evitarem alimentos processados, entre os quais, doces, fritos, bebidas gaseificadas ou refrigerantes, farinhas brancas e fast food.
A nutricionista referiu que, para uma criança em idade escolar, os tipos de merenda devem ser os mais saudáveis possíveis e ricos em nutrientes.
Para isso, as famílias não precisam gastar muito. “Uma sandes de atum e salada, peça de fruta, copo de sumo natural e um outro de iogurte são suficientes”, exemplificou a nutricionista.
Quanto às instituições de ensino que proporcionam merendas, Julieta Mecula deixou a mesma recomendação, evitando a distribuição de produtos que prejudicam a saúde das crianças.
Fonte: JA
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