Instituto Angolano de Controlo do Cancro recebe diariamente mais de 500 pacientes em Luanda

O Instituto Angolano de Controlo do Cancro é o único hospital público especializado que recebe, diariamente, mais de 500 pacientes com doenças de foro oncológico, entre homens, mulheres e crianças. Em entrevista ao Jornal de Angola, a directora clínica da unidade hospitalar, Isabel Cândido, disse que o cancro tem cura quando é diagnosticado de forma precoce e que, quanto mais pequeno for o cancro, maior é a possibilidade de cura.

Quantos pacientes procuram diariamente os serviços de oncologia?

Diariamente, temos um fluxo de atendimento que ronda os 500 pacientes dia, entre homens, mulheres e crianças. Os pacientes provenientes de várias localidades são atendidos em consultas, exames médicos e tratamento de diversos tipos de cancro.

Essa instituição recebe apenas pacientes com problemas de cancro?

Não. Existem pacientes que chegam com alguma suspeita ou mesmo diagnóstico de cancro. Mas atendemos todos de forma normal, uma vez que somos a única entidade pública que lida com esse tipo de patologias no país.  Nós recebemos pacientes com todo o tipo cancro, como o da mama, do colo uterino, tumores gastro-intestinais e tumores hematológicos, nomeadamente linfomas e leucemias, que são mais frequentes em crianças, além do tumor ósseo, tumor da próstata, entre outros tipos de enfermidades cancerígenas.

Os pacientes encontram aqui a solução dos seus problemas de saúde ou vêm apenas remediar-se, senhora directora?

Aqui, a maior parte dos pacientes encontra a solução. Mas, muitos chegam ao hospital em estado crítico. Apresentam sinais muito avançados da patologia, que podem ser tratados com quimioterapia para reduzir o impacto negativo da doença. Com as cirurgias, conseguimos ter o controlo da doença.

A que se deve a chegada tardia ao hospital? Será por falta de conhecimento ou questão cultural?

Penso que se deve à questão de educação e cultura, mas sobretudo educação sanitária. Nem sempre tem a ver com o nível académico dos pacientes, uma vez que temos até pessoas bem instruídas academicamente, mas que, ainda assim, chegam ao hospital tardiamente, para fazer consultas, exames médicos ou tratamento.

Existe a probabilidade de os sintomas do cancro serem confundidos com os de outras doenças?

Sim. Muitos dos sintomas podem ser confundidos com os de outras doenças, parecendo ser um quadro infeccioso. Em quase todos os hospitais, verificamos uma avalanche de pacientes em busca de tratamento médico. Atendemos um paciente, medicamos, mas, às vezes, para conseguir que o paciente retorne ao hospital, para saber se melhorou ou não, é extremamente difícil. O próprio paciente sente que a doença diminuiu no corpo e já não volta ao médico, para continuar com o tratamento.

Então tem faltado maior interacção entre o paciente e o médico, para aferir o seu real estado clínico, em termos de melhorias?

Sim. Essa interacção é fundamental, porque quando uma pessoa vai se queixando de alguma coisa e não encontra resposta é claro que precisa de uma investigação mais profunda e pode se dar o caso de o mesmo estar a desenvolver um problema de cancro. Muitos pacientes acabam por desistir das consultas, arrastando a doença por muito mais tempo. Até se verificar que é de foro oncológico, o paciente já não terá atendimento atempado.

Tem havido muitas desistências nas consultas de cancro?

Sim. Principalmente de pacientes provenientes das demais províncias do país. Não é fácil viver em Luanda, com todas as dificuldades possíveis, sobretudo para os que se deslocam em tratamento. Para quem não tem família na capital, e porque o tratamento do cancro é prolongado (entre seis meses a um ano) e variado, as coisas se tornam mais difíceis. Se não tiver um bom suporte, dificilmente consegue se manter em Luanda. Então, o paciente permanece o tempo que puder, acabando depois por regressar a sua província de origem, por falta de recursos para suportar a estadia.

Tendo em conta a patologia, um paciente proveniente do interior do país e outro de Luanda, quem merece prioridade no atendimento?

Nós damos prioridade aos pacientes que vêm das províncias, porque muitas vezes não têm cá famílias que os possam acolher. Por esse motivo, constituem o foco das nossas prioridades, assim como as crianças acometidas com problemas do foro oncológico. Fazemos os possíveis para que, em uma semana os pacientes todos consigam ter o atendimento desejado.

Quanto tempo leva um paciente que cá chega pela primeira vez ou não, para ser atendido na consulta de oncologia?

Temos procuramos atender de forma rápida, porque a patologia oncológica tem um crescimento muito rápido, não pode ficar muito tempo sem ser atendida e caso assim aconteça, a saúde pode mudar drasticamente na semana seguinte. Então fazemos todos os esforços para ter um atendimento célere de pacientes. Mas deve compreender que quanto maior for o número de pacientes, maior dificuldade encontramos, mas fazemos todos os esforços para sermos rápidos.

Actualmente, qual é a capacidade de internamento de pacientes neste Hospital?

Temos uma capacidade para internar 76 pacientes, dos quais 22 camas estão destinadas às crianças, sendo muito pouco para aquilo que são as necessidades. Por vezes, nós demos alta a um paciente, mas automaticamente, temos já outro à espera do internamento.

Qual é o número de crianças que vêm cá parar e com que patologias?

Atendemos em média 50 crianças por dia, sendo as leucemias e os linfomas (tumor do sangue,  os tumores do rim, ósseo, tumores do sistema nervoso central, o tumor dos olhos, como os tipos de cancro mais frequentes nessa faixa etária.

Como está o hospital em termos de capacidade de resposta às doenças?

Estamos um pouco apertado sporque a nossa infra-estrutura não é suficiente para acomodar devidamente esse número de pacientes que solicitam os nossos serviços, Além dos recursos humanos que ainda são limitados, temos uma obra em curso, que, depois da sua conclusão e entrada em funcionamento, vai melhorar em grande medida as condições de acomodação dos pacientes e dos trabalhadores.

Os fármacos têm sido suficientes para atender os pacientes?

Temos o essencial e o necessário. Nós procuramos garantir todo o tratamento para o cancro em termos de material para a realização de cirurgias, medicamentos para quimioterapia, como alvo para o tratamento dessa doença. Mas além disso, o paciente pode estar com cancro, mas por vezes tem outras enfermidades como; infecção urinária, diabetes, hipertensão e esses medicamentos, garantimos em segundo plano, por serem fármacos que podem ser adquiridos num outro hospital, seguido por outro médico. Embora tenhamos aqui os medicamentos, mas, em menor quantidade, a nossa prioridade é o tratamento do cancro sem descurar outras doenças para não influenciar a doença cancerígena.

Os recursos humanos de que falou estão somente relacionados com o pessoal médico ou quadros de uma forma geral, para preencher vagas existentes no hospital?

São trabalhadores no geral, quer do quadro administrativo, clínico que são insuficientes para dar resposta à procura por parte de pacientes que temos estado a receber neste momento.

Quais são as dificuldades que um hospital desse nível vive e que precisa de ultrapassar com alguma urgência?

Precisamos de um hospital com uma maior capacidade de atendimento e internamento, além dos recursos humanos. Mas também sabemos que hoje, a política é descentralizar esses serviços para não termos pacientes de outras províncias a se deslocarem para aqui, à procura de cuidados médicos nesta especialidade. Acredito que, a ser feito, essa descentralização vai reduzir muito em termos de demanda.

Esse é o único hospital público ao nível do país com essa especialidade?

Sim, é o único hospital público, mas a clínica Girassol, Sagrada Esperança têm ambas, uma área para atendimento de doentes de foro oncológico. Mas atende um grupo reduzido de pacientes que têm tido acesso ao tratamento nestas clínicas, de forma que as maiores exigências relacionadas com a nossa área estão mesmo viradas para a nossa unidade.

Senhora directora, o cancro tem cura?

O cancro tem cura quando é diagnosticado de forma precoce. Quanto mais pequeno for o cancro, maior é a possibilidade de cura. Agora, quanto mais tempo tiver de evolução, mais complicado é a sua cura definitiva.

Entre homens e mulheres quem mais procura o hospital oncológico? 

São às mulheres que cá vêm procurar por cuidados médicos. Os homens têm procurado o hospital quando a situação está mais agudizada. Temos aqui homens em tratamento de cancro da próstata ou outro tipo de cancro.

Para um paciente ser diagnosticado com cancro, tem de ser necessariamente neste hospital?

Não necessariamente, desde que o médico tenha os meios necessários, ele pode fazer o diagnóstico em qualquer unidade sanitária. Por exemplo, se for um medico de gastro que está a atender um paciente com queixas de dor de estômago, pode fazer uma endoscopia, para pesquisar e, caso encontra alguma zona suspeita, pode fazer uma biópsia que vai canalizar para anatomia patológica. Aí vai-se ter o diagnóstico da doença, e depois o paciente é encaminhado até ao nosso hospital para dar seguimento do tratamento especializado.

O Instituto Angolano de Controlo do Cancro tem programas de educação para a saúde virados para as comunidades? Tem havido essa interação com as comunidades no sentido de alertar sobre os perigos dessa doença ou ainda constitui um desafio para os próximos tempos.

Não. Temos feito trabalho nesse sentido. Apesar de serem pouco os quadros, mas, temos procurado sempre fazer esforço com o gabinete de prevenção, para levar a mensagem junto às comunidades. Temos equipas que têm se deslocado às comunidades para fazer palestras, usando também os órgãos de comunicação social, para passar a mensagem sobre os sinais do cancro e as medidas  preventivas.

Até que ponto o hospital está preparado com equipamentos para fazer face a doença?

Temos equipamentos modernos e suficientes para ajudar no tratamento do câncer, pelo que estamos bem servidos na medida do possível.

  PERFIL

A Dra. Isabel Sales Cândido nasceu em Luanda. Os seus pais são naturais da província do Cuanza-Norte e Malanje.  É médica de profissão, formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto.

 Em 2005 ingressou no Instituto Angolano de Controlo do Cancro, do Ministério da Saúde, onde trabalhou como médica até ao ano de 2009. Neste mesmo ano, partiu para a República Federativa do Brasil, onde, na cidade do Rio de Janeiro, concretamente no Instituto Nacional do Câncer, fez a especialização em Oncologia com duração de três anos, tendo terminado em 2012, na especialidade de Oncologia Clínica.

Isabel Sales Cândido foi antes funcionára do Ministério das Pesas e Ambiente. As metamorfoses da vida levaram-na a enveredar  para o ramo da Medicina. Regressado do Brasil, Isabel deu sequência as consultas medicas, atendendo vários casos relacionados com a especialidade oncológica. Três anos depois, fruto do seu desempenho profissional, é chamada a ocupar o cargo de chefe dos serviços de Oncologia Clínica. Com o andar do tempo e o óptimo desempenho profissional, Isabel Cândido foi nomeada a assumir o cargo de directora clínica do único Hospital de especialidade de Oncologia de todo o país, desde 2018.

Isabel Cândido divide o seu tempo entre o serviço e os cuidados de casa.

A entrega ao trabalho começa logo nas primeiras horas da manhã, quando chega ao Instituto Angolano do Câncer, uma infra-estrutura erguida desde a era colonial, onde trata, com carinho desde crianças até idosos que padecem dessa enfermidade.

Fonte: JA

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